O humanismo de Jacques Maritain e a educação

Roberto Carlos Simões Galvão.

RESUMO

Na segunda metade do século XIV surgiu na Itália um movimento estético, literário e filosófico denominado Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu-se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. O humanismo integral caracterizou a filosofia de Jacques Maritain, filósofo francês nascido em 1882. Oriundo de família protestante, Maritain converteu-se ao catolicismo em 1906. A influência do catolicismo fez Maritain aprofundar-se nos estudos filosóficos de Tomás de Aquino, tornando-se mais tarde um dos maiores intérpretes do chamado neotomismo. No presente artigo busco traçar um resumo da história do humanismo com ênfase para o pensamento de Jacques Maritain e sua relação com a questão da educação.

Palavras-chave: humanismo, fundamentos da educação, neotomismo, história.

Na segunda metade do século XIV surgiu na Itália um movimento estético, literário e filosófico denominado Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu-se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna.

Para o pensamento humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode construir seu próprio destino, um ser que constitui o centro do universo.

Conforme leciona Abbagnano (2003),

O Humanismo foi um aspecto fundamental do Renascimento, mais precisamente o aspecto em virtude do qual o Renascimento é o reconhecimento do valor do homem em sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu mundo, que é o da natureza e da história.

É possível identificar três fases distintas do movimento humanista, a saber: entre os anos de 1304 a 1374 houve a fase precedente, que prenunciava o Humanismo na sua versão mais primitiva e pouco pragmática. Nesta fase, na Itália, viveu Francesco Petrarca (1304-1374). Considerado o “Pai do Humanismo”.

Giovanni Bocaccio (1313-1375) também se sobressaiu escrevendo “Decameron”, sua obra-prima, precursora da literatura humanista.

Entre os anos de 1374 a 1494 houve a fase intermediária marcada pela queda de Constantinopla e pela morte do filósofo Pico della Mirândola (1463-1494), que distinguiu-se pelo seu saber enciclopédico. “De omni re scibili” era a divisa de Pico della Mirândola. Sempre buscando o conhecimento sobre todos os ramos das ciências humanas, o humanista italiano defendeu dezenas de teses na área filosófica e teológica.

Entre os anos de 1494 a 1564 tem-se o período áureo do Humanismo. Marca seu término o Concílio de Trento, que dá ensejo ? Contra-Reforma.

O Humanismo, sobretudo no seu aspecto literário, caracterizou-se pela ênfase dada ? cultura antiga em contraposição ? escolástica da Idade Média. O culto ao classicismo dos tempos da antiga Grécia e de Roma marcou a literatura de então. Na Holanda o filósofo Erasmo de Roterdam (1466-1536), “príncipe do humanismo”, como era chamado, escreveu “O Elogio da Loucura”, obra na qual teceu duras críticas ? Igreja dogmática. Havia naquela época uma batalha ideológica sobrepondo o homem aos dogmas. Erasmo de Roterdam, sem dúvida, contribuiu para o ensejo da Reforma Protestante.

Na Alemanha o movimento humanista promoveu a valorização do homem e de sua liberdade de consciência. O livre-arbítrio, em oposição ao determinismo, era defendido por muitos pensadores. A Bíblia passou a ser interpretada de forma diversa daquela tradicionalmente imposta pela Igreja Católica. Isso representava uma tentativa de restabelecer contato com as fontes originárias do cristianismo.

A renovação religiosa trazida pelo Renascimento impôs a existência de um Homo religiosus livre e consciente. As novas idéias trouxeram consequências, como a Reforma protestante de Martinho Lutero.

Na Inglaterra, Thomas More foi o maior vulto humanista. Escreveu “Utopia”, onde expôs o sonho de uma sociedade democrática, sem guerras e sem disputas de classe. Em França, Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo cético e avesso a qualquer dogmatismo, foi um grande moralista e julgava que a arte de viver deve fundamentar-se na sabedoria cautelosa, inspirada pelo bom senso e pelo espírito de tolerância. Foi autor de “Ensaios”, sua melhor obra.

A história contemporânea evidencia a existência de humanistas oriundos das mais diversas vertentes filosóficas. Para o pensador alemão Karl Marx, o humanismo deve ser entendido sob o prisma de uma sociedade igualitária e livre da exploração capitalista. Jean-Paul Sartre, pai do existencialismo contemporâneo, afirmou ser o existencialismo um humanismo. Segundo Sartre, o existencialismo ateu entende o homem como sendo o único responsável por sua existência. Não há um Deus, logo não há essência a priori: a existência precede a essência. O homem cria a sua própria moral e se define como homem em razão das escolhas que faz.

Outros pensadores consagraram-se como cristãos humanistas. Pierre Teilhard de Chardin, Jean Guiton e Jacques Maritain são alguns exemplos. No Brasil, Alceu Amoroso Lima e André Franco Montoro são nomes que se sobressaíram.

Atualmente, o Humanismo pode ser entendido como qualquer movimento filosófico que tome como fundamento a natureza humana ou os limites e interesses do homem.

Segundo Abbagnano (2003), humanismo significa “qualquer tendência filosófica que leve em consideração as possibilidades e, portanto, as limitações do homem, e que, com base nisso, redimensione os problemas filosóficos”.

Ser humanista significa, portanto, valorizar o ser humano, defendendo-o das injustiças sociais impostas pela ordem vigente. Significa, ainda, colocar o homem e sua dignidade acima de tudo na complexidade das relações sociais. É o homem sobrepondo-se aos dogmas, preconceitos e instituições injustas.

Jacques Maritain, um dos maiores humanistas da história, descrevia o verdadeiro humanismo como aquele sistema capaz de fazer florescer no âmago do ser humano todas as suas virtudes, que lhes são próprias enquanto filho de Deus. Jacques Maritain nasceu na cidade de Paris em 18 de novembro de 1882, oriundo de família protestante. Converteu-se ao catolicismo apenas em 1906, quando então fora batizado. A influência da formação católica fez Maritain aprofundar-se nos estudos filosóficos de Santo Tomás de Aquino, tornando-se mais tarde um dos maiores intérpretes do chamado neotomismo.

Maritain estudou na Universidade de Paris (Sorbonne) onde concluiu o curso de licenciatura em filosofia no ano de 1905. Estudou também biologia entre os anos de 1906 e 1908 na Universidade de Heidelberg, Alemanha. Frequentou ainda o Collége de France onde conheceu Henri Bergson, seu professor cuja influência marcou o início do pensamento filosófico de Jacques Maritain.

Além de Bergson, Spinoza e Driesch formaram a base do pensamento do filósofo humanista, antes que se aprofundasse em Tomás de Aquino, isto em 1909.

Em 1910, Maritain que se tornaria autor de inúmeras obras célebres, publicou seus primeiros escritos versando sobre ciência moderna e razão.

Jacques Maritain foi professor de filosofia no Instituto Católico de Paris, entre os anos de 1914 e 1939. Lecionou também no Instituto de Estudos Medievais em Toronto, Canadá, a partir de 1932. Os cursos no Canadá eram anuais de modo que Maritain não se desligou de Paris, nem do Institut Catholique.

Durante treze anos o filósofo morou nos Estados Unidos, tendo sido professor na Universidade de Princeton e na Universidade Columbia.

Entre os anos de 1945 e 1948, Maritain foi embaixador da França junto ao Vaticano. Nesta época o humanista destacou-se como um dos mentores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948.

A obra de Jacques Maritain continua sendo alvo de inúmeros debates e pesquisas acadêmicas em universidades de todo o mundo, graças a seu caráter contemporâneo.

Entre as obras publicadas por Maritain temos: Elementos de Filosofia (1923), Distinguir para unir ou Os graus do saber (1932), Humanismo Integral (1936), De Bergson a Thomas de Aquino (1944), Princípios de uma Política Humanista (1944), O Homem e o Estado (1951), O Camponês de Garona (1966). Esta última obra destacou-se devido ? oposição que fazia ao Concílio Vaticano II e suas medidas extremistas. No ano de 1961 a Academia Francesa de Letras premiou Maritain pela importância de suas obras.

Durante boa parte de sua vida, Jacques Maritain foi casado com a judia Raissa. Ambos se conheceram em Paris nos tempos em que estudavam na Universidade Sorbonne. Raissa Maritain viveu entre 1883 e 1960, tendo sido grande colaboradora na extensa produção filosófica de seu marido.

Maritain defende a essência de Deus como primazia no universo real. O tomismo de Maritain distingue o saber racional do supra-racional. Enquanto o saber supra-racional concentra-se na experiência religiosa, o saber racional parte da objetivação do real, confrontando-o ? luz da razão.

Em Maritain os instintos são guiados pela sabedoria cristã, enquanto que ? razão deve-se o guia das atitudes intelectuais.

Maritain crê numa revolução moral que altere a consciência social, favorecendo o espírito de comunhão e trazendo paz e justiça social aos homens. Dizia: “a obscura esperança de milhões de homens se encontra em trabalho nos subterrâneos da história”. Segundo Maritain o homem tem o livre-arbítrio para construir uma sociedade justa, ou para fazer deste mundo um universo de injustiças.

As artes, a pedagogia e a moral também fizeram parte dos estudos de Jacques Maritain. O filósofo via com preocupação o fato de a educação não ser valorizada em muitos países, considerando ser ela o melhor caminho para a libertação do homem. Para o filósofo a educação deve visar essencialmente libertar a pessoa humana.

“As democracias estão conscientes hoje de sua negligência em defender e afirmar nas escolas seus próprios princípios e suas próprias razões de ser intelectuais e morais”. (MARITAIN, 1968, p.160). O célebre humanista defendeu a democracia social cristã. As relações sociais foram um dos temas mais privilegiados pelo humanista em seus estudos.

Maritain acreditava na relação existente entre cristianismo e democracia. Para o humanista a política tem por função alcançar o bem comum da população, sem privilegiar camadas, assegurando o equilíbrio econômico-social. O essencial é democratizar os benefícios sociais fazendo das riquezas econômicas não um fim em si, mas um meio de promover a construção de uma sociedade justa.

Maritain pode ser entendido como um democrata liberal. Defendia uma sociedade de classes integradora e libertadora. Defendia ainda o direito de propriedade. Condenava a hegemonia partidária, que poderia trazer o regime totalitário. O pensador advogava a importância de a classe política dirigente atuar de forma concreta em prol do bem comum. Nunca propôs uma sociedade igualitária como a pleiteada pelos comunistas, mas acreditava nas políticas sociais que respeitam as diferenças individuais, tratando cada um segundo seus méritos.

Defendia a igualdade de oportunidades para o comum acesso ao desenvolvimento de todo o potencial humano.

Para Jacques Maritain a justiça social se fundamenta numa igualdade cristã. Todos os homens são iguais em essência, mas há a necessidade de que alguns estejam no comando, enquanto outros obedeçam. A fundamentação do sentimento democrático traduz a idéia de que a obediência, em última análise, refere-se a valores de consciência. “A autoridade política, esse direito de governar e de ser obedecido em vista do bem comum, não é oposta ? liberdade humana, mas exigida por ela”. (MARITAIN, 1968, p.155).

Maritain foi um pensador católico liberal, não via na educação um ato político, dizia: “o fim último da educação refere-se ? pessoa humana na sua vida pessoal e progresso espiritual, não nas suas relações com o meio social”. (MARITAIN, 1968, p.42).

Ressaltava o aspecto utilitário da educação. Para o filósofo a finalidade da educação está em

guiar o homem no desenvolvimento dinâmico no curso do qual se constituirá como pessoa humana, dotada das armas do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes morais, transmitindo-lhe ao mesmo tempo o patrimônio espiritual da nação e da civilização ? s quais pertence e conservando a herança secular das gerações. O aspecto utilitário da educação, que quer tornar a criança apta a exercer mais tarde um ofício e ganhar sua vida, não deve ser menosprezado, pois, os filhos do homem não forma feitos para o ócio aristocrático. (MARITAIN, 1968 p.37).

Uma questão bastante debatida na atualidade refere-se ao ensino do Criacionismo nas escolas. Para os criacionistas o mundo e o homem foram criados por Deus, como reza a Bíblia. De maneira geral tem prevalecido o entendimento de que a escola laica tem a incumbência de ensinar o Evolucionismo, ou Teoria da Evolução de Charles Darwin, enquanto ? Igreja cabe o encargo de apresentar a versão cristã da origem do mundo.

Maritain advogava o ensino facultativo da religião nas escolas:

a formação religiosa deve se tornar possível – não a título obrigatório, mas como matéria de livre escolha – ? população estudantil de acordo com os seus desejos e os de seus pais, e deve ser ministrada por representantes dos diversos credos. (…) Não compreendemos como se pode admitir que Deus tenha menos direito de ocupar um lugar na escola, do que os elétrons ou então Bertrand Russell. (MARITAIN, 1968, p.230).

Com a morte de Raissa em 1960, Maritain passou a viver na cidade de Toulouse, na França. Viveu seus últimos anos em um convento católico, vindo a falecer em 28 de abril de 1973. O humanismo integral caracterizou o pensamento de Jacques Maritain, fazendo deste pensador um dos maiores filósofos católicos do nosso tempo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGR?Ã?FICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2002.

LIMA, Alceu Amoroso. Pelo humanismo ameaçado, São Paulo: Tempo Brasileiro, 1965.

MARITAIN, Jacques. Princípios de uma política humanista, Rio de Janeiro: Agir, 1960.

_________________. Cristianismo e democracia, 4.ed, Rio de Janeiro: Agir, 1957.

_________________. O Homem e o Estado, Rio de Janeiro: Agir, 1952.

_________________. Rumos da educação, 5.ed., Rio de Janeiro: Agir, 1968.

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios, São Paulo: Globo, 1961.

NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e anti-humanismos, 5.ed., Petrópolis(RJ): Vozes, 1979.

PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. A dignidade do homem, São Paulo: GRD, 1988.

SANTOS, Francisco de Araújo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje, São Paulo: Loyola, 2000.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura, São Paulo: Martins Fontes, 2000.

www.maritain.org.br

4 comentarios

    1. Boa noite Bertha,

      Agradeço por ter lido meu artigo.

      Se precisar de algo, conte comigo.

      Atenciosamente,

      Roberto Galvão
      Brasil

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